Quase
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido…
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo … e tudo errou…
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…
Momentos de alma que, desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…
Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios…
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…
Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…
Mário de Sá Carneiro
Etiquetas: Outras Vozes
4 Comentários:
Um abraço depois de alguns dias de descanso e sem computador...
Um poema que não me lembro se alguma vez tinha lido e de que gostei imenso.
Um momento muito bom!BJS
Quem dera eu fosse "brasa"...
Quem dera eu fosse "além"...
Obrigada, Fátima, por este poema, mas continua a publicar textos teus. São LINDOS!
Kat
Gosto muito deste poema! Conheço-o desde o liceu, onde o estudei. Ao longo da vida lembrei-o frequentemente porque muitas vezes fiquei aquém do que quis fazer. E de facto, é ainda mais doloroso ter faltado um pouquinho só para chegar lá! Não seria tão perturbador o ficar aquém e não ter empreendido! Mas por outro lado há uma inquietação que empurra à acção. Isto é bem mais premente no campo das manifestações artísticas!
A escrita de Sá Carneiro é bela e profunda! Que pena não nos ter legado uma obra mais vasta. Além de morrer cedo, parece que se perdeu uma arca com os seus pertences e consequentemente muitos do que escreveu não chegou até nós.
Beijinho
Olá Fátima.
Muito bonita a sua escolha!
Penso que quase toda a gente conhece o princípio e o fim deste poema, mas vale a pena lê-lo na íntegra e meditar um pouco...
ADOREI!
Um beijinho da Teresinha^_^)
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