Inverno

Lá fora uivos de vento

Nas janelas dedadas de chuva...

Talvez seja culpa do frio

Ou da tarde em tons de cinza

Em laivos de água

Sem flores, sem pássaros

Este sentir de lusco-fusco

Que se espalha em meu redor

E me desabriga

Me desabraça

Me entristece

E mais e mais

Me emudece...

Queria

No Natal, eu queria um natal sem luzes,

Sem sinos e sem coroas,

Sem presentes e sem festas.

Sem ter de repetir quase até à exaustão

a fórmula a "Bo-as Fes-tas"!

Eu queria um natal mais solstício que natal;

Queria um natal pagão, um natal simples...

Sem palco, onde a gente ousasse ser apenas gente

Como a gente que a gente é nos demais dias!

Eu queria o "Natal"!

Loucura

"Hoje, vou levantar-me e vou estar contente....

Vou andar por mim dentro em visita...

Vou a mim própria ser-me, vou respirar-me, rir-me,

Vou a mim própria abrir-me, a mim própria despir-me...

A mim própria dançar-me...

Com o meu amor afogar-me, com a minha angústia ferir-me,

Com os meus sonhos e a minha esperança erguer-me!

Com a minha loucura endoidecer-me!"

Ana Hatherly (texto adaptado)

Chama

As velas rebentam por todo o lado!

Vermelhas, nesta época natalícia!

De chama tremeluzente, difusa, mágica...

E se ao fumo que à chama apagada se segue

Escarlate e não cinza-quase-chumbo se fizesse

Saberia a rebuliço e a aleluia

Ao invés de ao desamparo

que na chama apagada se inscreve?

Chuva

Faz frio, as nuvens carregam-se.

Nublados, varanda e dia.

A distância acinzenta-se numa cortina de névoa

E a mim, talvez se me embranqueçam

Mais depressa os ralos cabelos,

Um milímetro a menos se me alargue o riso

E eu escreva um poema inútil e tolo,

Neste dia nublado de Dezembro,

Antes que desabe a chover.