quarta-feira, 30 de julho de 2008

Maltês


Num ano de grande fome,
minha família acabou-se.
(...)
Minha mulher foi para a monda.
lá para o Alto Alentejo.
E a minha filha abalou
com uma mulher que ri
e anda de feira em feira
armando aquela barraca
onde se bebe e se ama.

E numa manhã de Inverno,
não pude mais e parti
- pelas estradas do acaso
com a manta de maltês!...

Manuel da Fonseca

Etiquetas:

domingo, 27 de julho de 2008

Vidro Côncavo















Tenho sofrido poesia
como quem anda no mar.
Um enjoo.
Uma agonia.
Sabor a sal.
Maresia.
Vidro côncavo a boiar.

Dói esta corda vibrante.
A corda que o barco prende
à fria argola do cais.
Se vem onda que a levante
vem logo outra e a distende.
Não tem descanso jamais.


António Gedeão

Etiquetas:

sábado, 26 de julho de 2008

As velhas


As mulheres de oitenta anos sentam-se em todas as cadeiras
como se estivessem sentadas em tronos. Podem ter anéis
nos dedos, como podem ter lenços de assoar nos bolsos.

Em natais, festas de aniversário com pão-de-ló, ou em
casamentos, as mulheres de oitenta anos reúnem uma
assembleia de afilhadas solteiras e explicam-lhes

que a vida é transparente e que o passado, fechado em
armários que rangem durante a noite, brilha às vezes, como
as pratas dos chocolates que entregam nas mãos das crianças.


José Luís Peixoto

Etiquetas:

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Inércias


Espero aqui sentada! Vejo os rostos que passam marcados pela pressa do dia que se enche da luz forte e branca deste Verão e que torna as figuras nitidas, tão nitidas que lhes posso ler a alma. Espero. Enquanto espero, a vida segue os seus passos sem me ver. Esquecida, penso e projecto o tempo que não posso esquecer. Escrevo hoje e vivo já o amanhã. Esqueço-me de mim ao ver-me nos olhos dos outros. Espero. Assim.

Etiquetas:

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Rio


Estou sentada na margem do rio e Deus está sentado ao meu lado. Estou sentada sobre as ervas. Estico o braço e toco as águas que se aproximam da margem para falarem comigo.Mergulho os dedos e a água é fresca. Ouço as palavras serenas que a água me diz. Deus estica o braço e toca o rio inteiro com pontos de luz.
in CAL, José Luís Peixoto

Etiquetas:

terça-feira, 22 de julho de 2008

Identidade


"Um indivíduo não se distingue do seu espaço; ele é o seu próprio espaço."

Gabriel Marcel

Etiquetas:

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Relação


Uma mulher é feita de mistérios
Tudo se esconde: os sonhos,
As axilas, a vagina...
Ela envelhece e esconde uma menina
Que permanece onde ela está agora.

O homem que descobre uma mulher
Será sempre o primeiro a ver a aurora.

Bruna Lombardi

Etiquetas:

sábado, 19 de julho de 2008

Pedras no Caminho


“Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. (...) É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da alma. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. É amar incondicionalmente e sempre….
Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo…”

Fernando Pessoa

Etiquetas:

terça-feira, 15 de julho de 2008

Inscrição


Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Etiquetas:

domingo, 13 de julho de 2008

Desconcerto

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E, para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau; mas fui castigado.
Assim que só para mim
Anda o mundo concertado.

Camões

Etiquetas:

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Incapacidades

Tento entender porque gritam desatinos e persistem as vozes.
Tento entender aqueles que acreditam nas próprias mentiras como verdades de vida.
Tento entender a sofreguidão dos que querem executar as leis.
Tento entender o barulho na confusão profusa dos dias.
Tento entender esta girândola fantástica de absurdo que rodopia caprichosa.
Tento entender o que me leva a esperar um dia entender o por que espero!

Etiquetas:

Girassolando



Passa uma nuvem pelo sol
Passa uma pena por quem vê.
A alma é como um girassol
Vira-se ao que não está ao pé!
Passou a nuvem, o sol volta.
A alegria girassolou.
Pendão latente de revolta,
Que hora maligna te enrolou?

Fernando Pessoa

Etiquetas:

terça-feira, 8 de julho de 2008

Mar


Lançamos o barco, sonhamos a viagem: quem viaja é sempre o mar.
Mia Couto

Etiquetas:

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Intermitências


Parada. Sonhava que tinha atravessado uma mata de acácias floridas sob uma chuva branda, miudinha e, por instantes, fui feliz no sono. Ao acordar, senti-me cega, muito embora a luz acesa e a janela aberta. Fechei os olhos cansados. Não gosto de dizer o que não sinto.

Etiquetas:

sábado, 5 de julho de 2008

Quem me dera...


Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada.
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças - tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.
Poema XVI, Alberto Caeiro

Etiquetas:

BlogArchive Blog Feed Cabeçalho HTML SingleImage LinkList Lista Logotipo BlogProfile Navbar VideoBar NewsBar